Valor Econômico: Justiça derruba taxa da SPTrans por recarga de vale-transporte

Duas sentenças recentes e um acórdão do TJSP classificaram a cobrança feita pela concessionária como indevida

7/8/20254 min read

Por Marcela Villar

A Justiça de São Paulo tem derrubado a cobrança de uma taxa exigida pela São Paulo Transporte S/A (SPTrans) por cada recarga de vale-transporte. A concessionária responsável por gerir o transporte coletivo na capital paulista tem aplicado tarifas de 2,5% a 4% sobre a recarga, que geralmente é feita pelas empresas para os funcionários.

Duas sentenças recentes e um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) classificaram a cobrança como indevida. Isso porque é proibido por lei o repasse dos custos com a comercialização do benefício - ele deve ser inserido no valor da tarifa para os usuários.

As decisões beneficiam duas empresas do Grupo Mastercam, que terceiriza serviços de limpeza e segurança, e 1,2 mil associadas do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo (Seac). É possível inclusive recuperar os valores cobrados indevidamente nos últimos cinco anos.

A ação coletiva da Seac pode trazer prejuízo que gira entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões à SPTrans, estimam advogados. A concessionária entrou com um recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aguarda ser admitido. No caso da Mastercam, que tem cerca de 8 mil funcionários, o custo com a tarifa vai de R$ 350 mil a R$ 400 mil anuais.

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As companhias alegam que a cobrança vai contra dispositivos da Lei Federal nº 7.418/85, do Decreto Federal nº 10.854/2022 e da Lei Estadual nº 13.241/2001. As normas preveem que todos os custos inerentes à operação devem estar incluídos no preço da tarifa de ônibus, como os valores de recarga.

Já a SPTrans defende que a tarifa é legal, pois seria apenas uma taxa “pela conveniência nas compras de vale-transporte através de empresas credenciadas ou na loja virtual”. Argumenta que nos postos de venda físicos não é cobrada a tarifa.

A taxa é conhecida como “taxa de repasse” ou “taxa de rebate”. Nos processos, a concessionária de transporte coletivo tenta argumentar que devem ser aplicados precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre cobrança de taxas por ingressos - como de shows ou peças de teatro (REsp 1984261).

Para o advogado Agenor Camardelli Cançado, do Agenor Cançado Advocacia, essa jurisprudência não é aplicável. “Estamos falando de serviço público delegado e que só pode ser remunerado mediante preço de tarifa. A taxa de ingresso é outra história, são relações de trato particular”, afirma.

Cançado, que atuou no caso da Seac, tem outros processos sobre o assunto. Ele defende entidades, mas também advogou para a startup Otimiza, empresa credenciada da SPTrans que faz a recarga de vale-transporte para empregadoras. O desfecho do caso foi contrário à taxa. A concessionária chegou a recorrer para o STJ, mas o recurso não foi admitido. Houve o trânsito em julgado da ação em abril (processo nº 1012837-47.2019.8.26.0053).

O especialista afirma que isso não ocorre apenas no município de São Paulo. "Tem sido uma prática corriqueira das concessionárias de transporte público que acabaram delegando a emissão e comercialização para empresas de tecnologia e têm embutido essa taxa sobre a recarga, que é totalmente ilegal”, acrescenta.

Concessionária tem que prever na tarifa todos os custos da prestação de serviço”

— Marcos Jorge

Em uma das sentenças, do mês de junho, a juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública, diz que tanto a Lei 7.418 quanto o Decreto 95.247 previram a "impossibilidade de repasse dos custos com a emissão e comercialização do vale-transporte para a tarifa dos serviços”. “Assim, é certo que a cobrança adicional de qualquer valor sobre o montante dos vales-transportes adquiridos não está amparada em lei”, afirmou a magistrada, na decisão (processo nº 1096172-85.2024.8.26.0053).

O juiz Fausto Dalmaschio Ferreira, da 11ª Vara de Fazenda Pública, entendeu da mesma maneira. “Os custos de comercialização devem ser suportados pelo preço da tarifa vigente, proibido, assim, o seu repasse [de comercialização] pela requerida”, afirmou (processo nº 1096169-33.2024.8.26.0053).

O advogado Denis Vieira Gomes, sócio do VGA Advogados que atuou pela Mastercam nos dois casos, afirma que a lei permite que a SPTrans delegue a empresas credenciadas a função da recarga dos cartões, o que implica o pagamento deste serviço. “Esse custo está relacionado à contratualização entre a empresa e a credenciada, no âmbito privado. O que não está amparado pela legislação é a cobrança adicional feita diretamente pela SPTrans”, diz.

“A concessionária já é remunerada pela tarifa. Então não poderia, além dessa remuneração, cobrar outra taxa em cima de cada recarga”, adiciona. “Isso é um gasto silencioso para as empresas, elas não têm dimensão do quanto pagam por mês, só veem no balanço no final do ano”, diz.

Para o advogado Marcos Jorge, coordenador jurídico do Wilton Gomes Advogados, a taxa de repasse é indevida. “A própria concessionária tem que prever na tarifa todos os custos da prestação de serviço, inclusive de abastecimento e manutenção dos vales-transporte”, afirma.

“O Judiciário tem caminhado bem”, diz ele, lembrando que existe a possibilidade de se fazer o reajuste anual da tarifa para abarcar essas despesas.

Em nota ao Valor, a Secretaria de Mobilidade Urbana e Transporte (SMT) e a SPTrans disseram que “existem tanto decisões favoráveis quanto desfavoráveis à cobrança, que estão em fase de recurso e aguardam o trâmite legal de cada processo no Judiciário”. Mas não informaram os números do processo. “Empresas que desejam comprar sem a taxa podem se dirigir ao Posto de Atendimento no Terminal Vila Prudente”, acrescentaram.

Acesso em:

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/07/07/justica-derruba-taxa-da-sptrans-por-recarga-de-vale-transporte.ghtml